Férias! Período pra se fugir da rotina, maçante e racional, a qual somos submetidos pelo sistema. Porém, venho à Guaranésia e toda sua tradicionalidade advinda do senso comum me faz pensar... Tudo que eu vivi e criei enquanto criança e jovem foi moldado através da repetição. Alguém fazia algo que era bem visto pela população e então passava a ser certo e exigido para uma boa convivência em comunidade. Perguntava-me, aos 14 anos, na crisma: porra, por que a gente faz isso? Minha família dizia ser necessária pra se casar na igreja [católica], tudo bonitinho, certinho, dentro dos conformes... Na época, aceitei e segui a tradição. Mas não me sentia completo com tanto moralismo girando em mim. Estudava filósofos que buscavam argumentos para negar o cristianismo. Me crismei, comunguei; tornei-me céptico, embasando-me na filosofia na qual eu buscara refúgio e solução para minhas crises adolescentes. Achei também pessoas que partilhavam da mesma perspectiva que eu, e então, tais convicções que foram se instalando em mim criavam força. Cheguei ao ponto de transitar do satanismo ao budismo, com intuito de achar algum sentido para as merdas que eu via acontecerem no mundo. Ambas as filosofias justificavam tais ‘merdas’ como culpa do homem; o satanismo, em seu real sentido, dizia que era uma falta de culto à libido freudiana, criando a solução na idolatria ao ego através de rituais hedonistas, ao passo que o budismo pregava certa privação dos prazeres momentâneos, usando o ‘subconsciente’ para satisfazer nossos desejos ‘fúteis’, enquanto o cristianismo, o qual é forte aqui, dizia ser vontade de algum ente extra-humano e a confissão e comunhão justificavam os erros dos homens, para que assim, pudessem seguir errando e julgando. (todos exemplos mostrados de forma reducionista e simplista, sem querer entrar em questões maiores). Imagina a doidera de um moleque, dos 15 aos 18 anos pensando assim, convivendo com quem também não concordava com o senso comum, medíocre, em que a comunidade se submetia... deixei de ser céptico quando fui pra faculdade. Ganhei uma bolsa pra estudar psicologia em Poços de Caldas, então arrumei uma casa com uns amigos e mudei de Guaranésia pra lá, crente que acharia quem compartilhasse das mesmas ideologias, mas encontrei o mesmo pessoal bitolado e alienado que vivera em minha cidade natal. Questionava-me: será que a influência da banalização da informação, daquela velha razão grega e também do sentimento e controle das experiências diárias pelo homem, vindos do renascimento, vêm da mídia? Pois a mídia invade as casas da população de forma meio que involuntária, mas me lembrei de que antes disso tudo, o que controlava os homens, salvo os bárbaros e seus antecedentes e sem querem prolongar nesta questão sociológica, era a religião. A religião, e o cristianismo em especial no Brasil, foi a detentora de todo o poder divino durante quase toda a civilização, porém, não de forma clara e dedicada à transcendência como em outras tradições, feito o xamanismo, uma das mais antigas seitas conhecidas, cujo objetivo era que, através de um estado alterado de consciência (atingido em rituais através de sons de tambores, chás de raízes e meditação, apenas pelos xamãs ou caciques no Brasil), se entrasse em contato com seres extra-humanos (animais de poder) a fim da cura e produtividade à colheita do período do ritual.
Pensem no período da colonização do Brasil... Os escravos vindos da Europa e da África não podiam praticar seus rituais, tampouco disseminar suas crenças, além da excursão de padres e músicos católicos que vieram de Portugal para encantar os índios nativos, tipo o flautista de Hamelin. Com isso, toda a cultura brasileira, apesar do forte sincretismo religioso que aconteceu com o camdomblé, ficou sucumbida ao moralismo católico, pois querendo ou não, você é lançado num meio no qual, apesar de você ser o agente transformador deste, você não tem o poder de transformação que você almeja. Somos controlados pelo medo do inferno, por um consolo ilusório no futuro, por uma sociedade medíocre que prefere lotar os bares a parar pra pensar na merda que estão fazendo de suas vidas. Esquecemos, assim, de viver o momento, as oportunidades que nos aparecem, e que muitas vezes precisam ser escolhidas a partir de várias possibilidades. Possibilidades das quais ficamos presos e não arriscamos algo novo; talvez pelo receio de perder o ‘conforto’ já adquirido, talvez pela ilusão do conforto pós-morte, talvez, ainda, pela falsa rebeldia que funciona como uma formação reativa à crença de dias melhores ou à fraqueza humana, gerando a ‘vontade de potência’, como diria Nietzsche (um dos filósofos que embasaram minha descrença no período céptico de minha existência); vontade essa que falta na população em geral... Creio que falta conhecimento acerca da capacidade do homem, de seu poder de transcendência, de seu poder de controle do ‘mundo’, do seu mundo, através de um controle da mente. Em diversos períodos de minha vida questionei meu papel no mundo, mesmo que com meus míseros 21 anos não tenha chegado à resposta alguma (e fico feliz por isso). Contudo, acho válida toda indagação sobre o que é comum, tradicional, sobre o que todo mundo faz, o que é moda, o que é normal, o que é regra, o que é lei, o que é fato. O que é normal à gente continua levando o resto da vida, como se fosse certo ver alguém passando fome e se conformar porque o sistema criou um mecanismo em que quem tem capital investe a fim de gerar mais capital, e quem não tem, vende sua força física, anulando seu potencial criativo... Fazendo, assim, girar a máquina que come as criancinhas que não têm oportunidades ;)
“O controle tá na tua mão e o jogo é pra você”